O padre abriu as portas da igreja para animais deixados sem lar após a inundação
O sino da Igreja de São Martinho tocou, pela primeira vez em 200 anos, não para chamar os fiéis, mas para anunciar um refúgio para todos que precisassem de abrigo. Isso aconteceu no terceiro dia após o rio Wolfe transbordar, inundando a parte baixa da cidade e obrigando centenas de pessoas a abandonarem suas casas.
O padre Tomás estava nos degraus da antiga igreja de pedra, observando o nível da água subir lenta, mas inexoravelmente pelas ruas. O abrigo municipal de animais acabou ficando na zona de inundação, e todos sabiam que evacuar todos os seus habitantes a tempo seria impossível.
«O Senhor criou esta casa para todas as suas criaturas», disse calmamente o padre, enquanto tirava do bolso as grandes chaves da igreja. A decisão veio de repente, mas com firmeza. Se essas antigas paredes protegeram pessoas de desastres por séculos, poderiam também abrigar aqueles a quem as pessoas domesticaram.
Ainda naquela noite, a Igreja de São Martinho transformou-se em algo inimaginável. A nave principal tornou-se um abrigo improvisado, onde voluntários e fiéis colocaram gaiolas e caixas com cães, gatos e pássaros. Nas capelas laterais, alguns fazendeiros locais abrigaram cabritos e cordeiros. De um canto, ouvia-se o grunhido de dois porcos barrigudos vietnamitas que alguém trouxe consigo.
Marta, uma idosa paroquiana que cuidava da limpeza da igreja havia vinte anos, ficou horrorizada a princípio. «Padre Tomás, o que o bispo diria sobre isso? Animais na casa de Deus!», exclamou ela, ao ver um jovem labrador deixando pegadas sujas no piso antigo.
O padre sorriu e apontou para o vitral com a imagem da Arca de Noé. «Marta, estamos apenas seguindo o exemplo», respondeu ele.
No sexto dia, a água começou a recuar, mas não havia para onde voltar — o abrigo municipal foi completamente destruído. Muitos animais haviam perdido seus donos, enquanto outros foram resgatados de casas alagadas durante as evacuações das pessoas.
Luísa, uma veterinária da cidade vizinha, visitava o local todos os dias. Ela examinava os animais, tratava os feridos e fazia uma lista de cada um. A preocupação era evidente em seus olhos — para onde levar todos eles agora?
A solução inesperada veio no domingo, na homilia do padre Tomás. Em vez de falar sobre o dilúvio como uma punição bíblica, ele falou sobre responsabilidade e misericórdia.
«Essas criaturas não estão aqui por acaso. Cada uma delas precisa de um novo lar, assim como nós. Talvez seja a vocês que cabe a missão de recebê-las como nova família».
Henrique, um idoso que perdeu a casa onde viveu por 60 anos, aproximou-se de uma gaiola com um gato de três patas ao final da missa. «Nós dois estamos começando tudo do zero, não é, amiguinho?», sussurrou ele, abrindo a portinhola.
Nas duas semanas seguintes, ocorreu o que os jornais locais chamaram de «o milagre de São Martinho» — todos os animais encontraram um novo lar. Alguns adotaram uma ninhada inteira de gatinhos, outros levaram para casa cães idosos que ninguém mais tinha esperança de realocar.
O próprio padre Tomás ficou com um magro vira-lata chamado Moisés, encontrado flutuando num pedaço de cerca.
Um mês depois, quando a igreja foi limpa, restaurada e reaberta para celebrações religiosas, os fiéis notaram algo extraordinário — mais pessoas começaram a comparecer aos serviços. Muitos traziam consigo seus novos animais de estimação, e o padre Tomás não se opôs.
«A comunidade não é feita apenas de pessoas», disse ele certa vez, olhando para Moisés, que dormia tranquilamente perto do altar. «Ela é composta de todos que aceitamos em nossos corações. E, se para isso tivemos que passar por um dilúvio, então que assim seja».