Histórias

A minha filha pediu-me para ir à reunião de pais na escola do meu neto. A professora pediu-me que ficasse depois da reunião e estendeu-me um caderno com uma redação. Comecei a ler e as lágrimas simplesmente começaram a rolar. O meu neto escreveu algo sobre o qual eu nem sequer suspeitava…

A minha filha ligou-me na segunda-feira de manhã: “Mãe, podes ir à reunião de pais do neto? Tenho uma reunião importante no trabalho, não posso sair.” Eu concordei imediatamente. O meu neto tem dez anos, eu o adoro, qualquer desculpa para ver a professora, saber como ele está a estudar — é um prazer.

A reunião foi na quinta-feira à noite. Cheguei quinze minutos antes, sentei-me na carteira do meu neto — terceira fila, junto à janela. Os pais estavam a reunir-se, a conversar. A professora entrou e começou a falar sobre o progresso escolar, planos e comportamento das crianças.

O meu neto estuda bem, ela mencionou-o várias vezes — dedicado, atento, ajuda os colegas. Eu estava orgulhosa ao ouvir isso.

A reunião terminou ao fim de uma hora. Os pais começaram a ir-se embora. Levantei-me, queria agradecer à professora e sair. Ela aproximou-se de mim: “Espere, por favor. Preciso falar consigo.”

Ficámos apenas nós duas na sala de aula. Ela fechou a porta, sentou-se à sua mesa e convidou-me a sentar-me em frente. A sua expressão era séria, preocupada.

Ela começou cautelosamente: “Quero mostrar-lhe uma coisa. Na semana passada, as crianças escreveram uma redação sobre o tema ‘O meu dia normal’. O seu neto escreveu um texto que… Eu não posso ignorar isso. Tenho de mostrar aos pais.”

Tirou do gaveta um caderno, abriu na página certa e estendeu-mo. As suas mãos tremiam ligeiramente.

Peguei no caderno e olhei para a caligrafia infantil do meu neto. Li o título: “O meu dia normal”.

Comecei a ler.

“Acordo às seis da manhã com gritos. A mamã e o papá estão a discutir na cozinha. O papá diz que a mamã é uma má esposa. A mamã chora. Eu fico na cama e finjo que estou a dormir. Tenho medo.

Às sete horas a mamã entra no meu quarto. Os olhos estão vermelhos. Diz — levanta-te, é hora da escola. Eu levanto-me, visto-me. Vou para a cozinha tomar o pequeno-almoço. O papá está sentado zangado, não olha para mim. A mamã põe uma tigela de papas, as mãos tremem.

Como rapidamente para sair de casa. Na escola é bom. Está tudo calmo, ninguém grita.

Depois da escola vou para casa devagar. Não quero voltar. Abro a porta devagarinho. Espio — se o papá está em casa, vou para o meu quarto, fecho-me e faço os trabalhos de casa. Se o papá não está — fico com a mamã na cozinha, ajudo-a a preparar o jantar.

À noite o papá chega. Às vezes ele está de bom humor e então jantamos juntos, assistimos televisão. Mas na maioria das vezes ele está zangado. Grita com a mamã porque o jantar não está saboroso, porque a casa está suja, porque ela não sabe fazer nada. A mamã não diz nada, olha para o prato.

Eu sento-me e nem respiro. Espero que o papá termine de gritar.

Depois vou dormir. Fecho a porta do quarto. Cubro-me com o cobertor até a cabeça. Ouço-os a discutir. O papá grita, a mamã chora. Às vezes ouço algo cair, partir-se.

Tapo os ouvidos com as mãos e conto até cem. Depois mais uma vez. Depois adormeço.

De manhã acordo e tudo se repete.

Eu quero que a mamã seja feliz. Quero que o papá não grite. Quero que em casa esteja calmo e tranquilo, como na casa da avó.

Quando crescer, nunca vou gritar com a minha esposa e os meus filhos. Nunca.”

Terminei de ler e não conseguia desviar o olhar do caderno. As lágrimas deslizavam pelas minhas bochechas e eu não as limpava.

A minha filha. O meu genro. O meu neto. Eles vivem assim todos os dias. E eu não sabia.

A professora estava sentada em frente, olhando para mim com compaixão: “Eu tinha de lhe mostrar isto. Pela lei, se uma criança descreve violência doméstica, sou obrigada a relatar. Mas primeiro queria falar com a família.”

Enxuguei as lágrimas, tomei um momento para me recompor. Perguntei: “Ele falou contigo sobre isso?”

Ela acenou com a cabeça: “Chamei-o depois da aula, perguntei com cuidado. Ele confirmou. Disse que vivem assim há dois anos. Desde que o pai perdeu o emprego e começou a beber.”

Eu não sabia que o genro tinha perdido o emprego. Não sabia que ele bebia. A filha nunca me contou. Ligava-me uma vez por semana, dizia — está tudo bem, mãe, estamos a trabalhar, a viver. Eu acreditava.

Mas o neto vivia nesse pesadelo há dois anos. Todos os dias acordava com gritos. Tinha medo de voltar para casa. Dormia sob o som de discussões.

Agradeci à professora e prometi resolver a situação. Saí da escola, entrei no carro. Liguei para a minha filha.

Ela atendeu animadamente: “Mãe, como foi a reunião? Está tudo bem com o neto?”

Eu disse com um tom calmo: “Preciso de falar contigo. Urgente. Já estou a caminho.”

Cheguei dentro de vinte minutos. O genro não estava em casa — graças a deus. A filha abriu a porta, sorria: “Mãe, o que aconteceu?”

Entrei no apartamento, sentei-me no sofá. Peguei no telemóvel, tirei fotos das páginas da redação do neto na escola, mostrei à filha: “Lê.”

Ela pegou no telemóvel, começou a ler. O sorriso desapareceu do rosto. Ficou pálida. Sentou-se ao meu lado no sofá. Cobriu o rosto com as mãos.

Abracei-a: “Por que não me disseste?”

Ela chorava: “Tinha vergonha. Pensei que conseguiria sozinha. Pensei que ele mudaria. Não queria preocupar-te…”

Ficámos sentadas a noite toda, conversando. Ela contou-me tudo — como o genro perdeu o emprego há dois anos, começou a beber, tornou-se agressivo, gritava, partia coisas. Ela aguentou, esperava que ele encontrasse trabalho, que tudo melhorasse. Mas só piorava.

E o neto durante todo esse tempo ficava calado, aguentava, protegia a mãe como podia. E apenas na redação escolar escreveu a verdade.

Eu trouxe a filha e o neto para a minha casa naquela mesma noite. Eles já estão a morar comigo há um mês. A filha pediu o divórcio. O neto está a ir a um psicólogo — a professora ajudou a encontrar um bom especialista.

Ele está mais calmo. Sorri mais. Dorme sem pesadelos. Diz — na casa da avó está tudo bem, sossegado.

Penso nisso todos os dias. Durante dois anos o meu neto viveu com medo. Acordava com gritos, tinha medo de regressar a casa, adormecia em lágrimas. E eu ligava uma vez por semana, perguntava — como estão as coisas? A filha respondia — está tudo bem. E eu não via, não sentia que algo estava errado.

Se não fosse pela professora, que deu a tarefa de escrever a redação. Se não fosse pela sua atenção, a sua preocupação. Quanto tempo mais o meu neto teria ficado calado?

Às vezes as crianças não conseguem dizer-nos a verdade em palavras. Têm medo, vergonha, não querem magoar os outros. Mas falam de outras maneiras — através de desenhos, redações, comportamento.

Sejam honestos: vocês observam atentamente os vossos filhos, netos? Conseguem ver o que está por trás das suas palavras “está tudo bem”? Ou também confiam a seguir a palavra, sem aprofundar?

E se o vosso filho ou neto tivesse escrito uma redação dessas — vocês saberiam sobre isso? Ou a professora teria ficado calada, sem querer interferir na família dos outros?

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