Fui expulsa de casa porque não podia ter filhos. Mas a vida colocou tudo no seu devido lugar

— Marina, entre nós acabou. — disse Renato, com frieza. — Eu quero uma família de verdade. Filhos. E você não pode me dar isso. Já entrei com o pedido de divórcio. Tem três dias para arrumar suas coisas. Quando sair, me avise. Vou ficar na casa da minha mãe até terminar de preparar o apartamento para o meu filho e a mãe dele. Sim, não se espante — minha nova companheira está grávida. Três dias, Marina.
Marina ficou em silêncio, parada no meio da sala, como se o tempo tivesse congelado. Cinco anos tentando engravidar. Três perdas dolorosas. E agora, aquelas palavras cortantes, ditas sem qualquer compaixão. Ele falava como quem joga fora algo velho e sem valor.
Quando Renato bateu a porta, Marina se deixou cair no sofá. Um silêncio pesado encheu o apartamento. E agora, para onde ir? Antes do casamento, ela morava com uma tia em Coimbra, mas a tia havia falecido, e o primo vendera o imóvel. Restava apenas uma opção: a antiga casa da avó em São Vicente do Sul. Estava vazia, esquecida — mas ainda era sua.
Na manhã seguinte, Marina teve uma visita inesperada. Clarice, a mãe de Renato, entrou sem bater. A mesma mulher que nunca acreditou nela.
— Vim garantir que você não vai levar nada que não te pertence — disse secamente.
— Fique tranquila. Não quero sua prataria antiga — respondeu Marina, com calma.
— Agora está insolente… Eu disse ao Renato, depois do segundo aborto, que você não servia pra ser mãe.
— Pelo menos agora vai ter um neto. O que mais pode desejar?
— Que não fosse seu.
— Pois não é mesmo.
Clarice andava pelo apartamento como uma fiscal. Olhava, apontava, criticava. Marina continuou arrumando as poucas coisas que realmente lhe pertenciam. Mas, de repente, lembrou-se da pequena escultura de porcelana em forma de gato, onde guardava um par de brincos e um anel da mãe. Sem valor comercial, mas com um peso emocional enorme. Estava na varanda.
Ao abrir a porta, Clarice gritou:
— O que está fazendo aí? Está quase escurecendo, despache-se!
O gatinho de porcelana estava lá. Marina o pegou com delicadeza, voltou à sala e colocou as chaves sobre a mesa.
— Pronto. Adeus. E espero que seja para sempre.
Antes de partir, passou no escritório para pedir férias. Ainda estava de licença médica, mas precisava de silêncio.
— Sem você, nada anda aqui dentro — disse o chefe. — Mas entendo. Fique à vontade. Só me avise se precisar de algo.
— Obrigada. Preciso de um tempo pra mim.
— Precisa de ajuda com moradia?
— Já resolvi. Vou para a casa da minha avó em São Vicente do Sul.
A casa estava vazia desde a morte da avó. Um jardim pequeno, uma árvore antiga, margaridas silvestres. Marina não voltava ali fazia mais de dois anos. A última vez foi com Renato — um fim de semana de churrasco e vinho espumante. Agora, havia apenas poeira e silêncio. Ou quase: na mesa, pratos sujos, garrafas abertas, embalagens de suco.
Ela lavava a louça quando alguém bateu na janela.
— Está tudo bem aí? — perguntou uma voz masculina.
Na porta, estava um homem desconhecido.
— Desculpe se assustei. Sou vizinho. Vi você chegando, e depois saía fumaça da chaminé, mas ninguém aparecia. Tive medo de que algo tivesse acontecido.
— Está tudo bem. Obrigada.
— Você é parente do Renato? Ele veio aqui faz pouco tempo… com uma mulher grávida.
— Sou a quase ex-esposa. E a casa é minha.
— Entendi… Sou Pedro, estou morando temporariamente numa casa próxima. Também me divorciei recentemente. Se precisar de ajuda, estou por aqui. Eu sei trocar fechaduras.
— Que sorte. Preciso trocar a daqui. Amanhã vou comprar uma nova.
— Deixa comigo. Posso trazer uma boa, e instalo pra você.
Passaram-se duas semanas. Marina não queria voltar. O trabalho podia esperar. Renato não ligou, apenas enviou a data do divórcio. Melhor assim.
Num sábado, Pedro a convidou para caminhar até o rio. Nada romântico — apenas para espairecer. Voltavam ao meio-dia quando viram um carro preto parado em frente à casa. Marina o reconheceu de imediato: era o de Renato.
Ele tentava abrir a porta. Ao lado, sua nova companheira — visivelmente grávida — olhava em volta, impaciente. Marina se aproximou.
— O que estão fazendo na minha casa?
Renato se virou:
— Você trocou a fechadura?
— Claro. A casa é minha. Já esqueceu?
— Ele me disse que era nossa! — gritou a mulher.
— E ele já te contou que dirige com carteira vencida?
Renato ficou calado. Marina sorriu, pegou a mão de Pedro.
— Por favor, feche a porta. Tem gente invadindo o que não é deles.
Renato suspirou, colocou a mulher no carro e foi embora sem dizer uma palavra.
— Ele vai ter uma vida… interessante — comentou Pedro.
— Que tenha. A minha, finalmente, está começando de verdade.
Quatro anos depois.
Marina estava no supermercado quando viu Clarice. A mulher demorou a reconhecê-la.
— Marina? Você está… grávida?
— Sim — respondeu ela, sorrindo e acariciando a barriga. — Falta pouco para o bebê nascer.
— Renato está mal. O menino nasceu com problemas. E aquela mulher o abandonou. Agora ele cuida do filho sozinho.
— Sinto muito. Mas cada um colhe o que planta.
— E você… está sozinha?
— Não. Tenho quem me espera.
Clarice virou o rosto e viu Pedro segurando a mão de uma menininha de uns três anos.
— Mamãe! — gritou a menina, correndo até Marina.
Clarice ficou parada, segurando o carrinho de compras, sem palavras.
E Marina, abraçando a filha e o homem que chegou quando ela achava que tinha perdido tudo, pensou:
Às vezes, para ser mãe e ser amada, é preciso atravessar a dor. E só depois, encontrar o que sempre foi seu.